Cândido e o Ministro da Saúde – por Alfredo Guarischi

Nos meus 52 anos estudando medicina conheci 32 ministros da saúde, que permaneceram no cargo por 19 meses, em média. Estranho!

Apenas quatro ficaram mais de três anos e meio na mais honrosa missão, no meu entender, para um médico brasileiro. O médico Waldyr Arcoverde, no governo do General Figueiredo, por 65 meses; o médico Paulo Machado, no período do General Geisel, por 60 meses; o economista José Serra, no segundo mandato FHC, por 48 meses; e o médico José Temporão, no segundo governo Lula, por 45 meses.

E agora? O que será?

Eu me recordei de “O que será será, o que quer que seja vai ser”, em O homem que sabia demais do filme de Alfred Hitchcock, e, depois, dos versos de Chico Buarque: “O que será que será? / O que não tem certeza nem nunca terá / O que não tem conserto nem nunca terá” do filme Dona Flor e seus dois maridos. No entanto, essas músicas não aplainaram meu tormento após mais uma troca de ministro.

Quem sabe Cândido, de Voltaire (1694-1778), poderá inspirar o próximo defensor da saúde do povo brasileiro?
O personagem principal dessa obra prima é um jovem inocente que acreditava em tudo que era dito pelo Dr. Pangloss. Esse filósofo gostava das coisas como elas eram, porque lhe convinham e porque não conhecia nada melhor. Fazia questão de impor seu sistema não por acreditar nele, mas porque era o seu sistema.

A história se inicia na inigualável Vestfália, num castelo com apenas uma porta e uma janela. Após um inocente beijo em Cunegunda, filha de um todo-poderoso barão, Cândido é expulso da cidade. Pangloss, “o maior filósofo da província e consequentemente do mundo”, tem o mesmo destino. A partir daí sofrem uma série de desventuras que são relatadas com sarcasmo e humor. A dupla foi roubada, quase queimada na Inquisição e vendida como escravos. O sofrimento e as privações, embasados em locais ou fatos reais, levaram Cândido a questionar sobre “o melhor dos mundos possíveis”.

Graças aos serviçais Cacambo e Martinho, que se contrapunham às ideias herméticas de Pangloss, o jovem que buscava reencontrar sua paixão foi alertado para a violência, ganância e intolerância dos homens. Concluiu que, se “tudo vai melhor no melhor mundo possível”, ninguém teria o direito de reclamar, pois tudo seria o destino, decidido por uma divindade. Cândido continuava ouvindo Pangloss, que, apesar de reconhecer as desgraças por que passaram, dizia que agora podiam comer “cidras em compota e pistaches”. Dessa forma justificava que tudo fora positivo. No final, Cândido, ao ouvir esse patético discurso, nos ensina: “Falou bem, mas precisamos cultivar nosso jardim.

Fazer o que precisa ser bem feito é o principal conselho de Cândido. O segundo, talvez, é ler Voltaire, seu criador.

 

Alfredo Guarischi

Médico. Membro do CREMERJ

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