“Dell Medical School !!!” – por Sérgio Rego

Imagem: Austin Monitor/USA

Dell Medical School at The Texas University at Austin: o que podemos intuir a partir da criação dessa nova escola médica nos EUA?

Segundo informação do jornal O Estado de São Paulo, de 16 de agosto de 2018¹, foi criada, em 2014, a primeira escola médica em uma Universidade de ponta nos Estados Unidos nos últimos cinquenta anos. Embora essa notícia já seja suficientemente estranha para nós, brasileiros, uma vez que temos assistido uma multiplicação desconcertante do número de escolas médicas, desde o início dos anos noventa até os dias de hoje, existe pelo menos um outro aspecto surpreendente: qual a organização que está por trás dessa escola? Esta é talvez a maior novidade: é a empresa de computadores Dell. E por que uma empresa desse tipo está interessada em uma atividade educacional deste tipo? Uma possível resposta repousa na expectativa que se tem sobre as mudanças que estão ocorrendo na prática médica e que já demandam modificações na formação médica.

Em sua home-page a Dell Medical School (DMS) afirma “Os cuidados de saúde baseados em valores têm a ver com eficiência na obtenção de melhores resultados de saúde. A DMS é o lar de líderes do movimento de cuidados baseados em valores – e de um currículo on-line que treina líderes de saúde na entrega de valor aos pacientes.”

O reitor da DMS afirmou, na entrevista ao Estadão: “Na medida em que o sistema é aprimorado, particularmente por meio da inteligência artificial, o papel tradicional do médico muda. A ciência da medicina vai se tornar menos importante, mas a arte do cuidado ganhará importância. Precisamos de pessoas que possam liderar essa mudança e que consigam abraçar a tecnologia, mas apenas quando ela visa ao benefício para o paciente e à evolução do sistema de saúde. É um tipo diferente de médico, que está confortável com a tecnologia, que entende de engenharia de sistemas, que consegue colocar o foco no valor proporcionado e que exerce liderança para mudar esse sistema”.

Para formar um médico assim, a DMS incorporou o foco na resolução de problemas (embora não esteja claro se utilizam a chamada “Problem Based Learning”), a diminuição da carga horária dedicada à formação científica básica (o chamado “ciclo básico” passa a ter a duração de apenas um ano), a diversidade de espaços de aprendizagem e espera que seus alunos aprendam a trabalhar em equipe e que desenvolvam a capacidade de liderar.

Ainda segundo o reitor da DMS, a maior parte dos alunos já possuem algum nível de preparação tecnológica e também possuem dupla graduação, sendo a Saúde Pública, Administração, Engenharia e Psicologia Educacional as mais comuns.

Em última análise, entretanto, a Dell Computers deseja mais do que formar médicos com características diferentes e com um método diferente, eles querem mudar o próprio sistema de saúde nos Estados Unidos. A crítica que fazem está no modelo de pagamento por serviço, que pretendem ver modificado para um baseado nos resultados, com ênfase na prevenção e promoção da saúde. Reconhecendo que a maior parte dos problemas de saúde podem e deveriam ser resolvidos fora dos hospitais, a proposta deles é de entrar nas comunidades para a prática em saúde desvinculada da presença dos pacientes em uma clínica ou hospital.

Se, como afirma o reitor da DMS, a ciência médica deixará de ser tão importante, isso implica em reconhecer que este papel será desempenhado preferivelmente pela Inteligência Artificial? Ou será que o futuro estará nos equipamentos imaginados por Neill Blomkamp, que redigiu o roteiro, produziu e dirigiu o filme de ficção científica Elysium? Como se sabe, no filme todas as fases do que se poderia identificar como ato médico, do diagnóstico à terapêutica, fica a cargo de um equipamento dotado de Inteligência Artificial. Nesse caso, onde estaria o “médico”? Imagino que é aquele que ajudou a desenvolver os sistemas de inteligência artificial que orientaria as decisões.

A rigor, os médicos odeiam a incerteza. Seus esforços sempre foram no sentido de diminuir ou minimizar as incertezas, seja quando elaboramos “rotinas” de serviços, “rotinas terapêuticas mais aceitas, como os ‘Current’, ou os modernos protocolos e diretrizes. Nesse sentido, a Inteligência artificial já é capaz de errar muito menos na avaliação de grandes bases de dados e será, provavelmente, mais eficaz também nos diagnósticos e definição de propostas terapêuticas. O que restará ao médico: informar o sistema? Informar ao paciente as probabilidades diagnósticas e possibilidades terapêuticas? Decidir pelo paciente (seja dentro ou fora do sistema de IA) ou com o paciente?
E, pra não dizer que não falamos de Brasil, o que nossas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Medicina no Brasil têm a dizer sobre essa perspectiva? Pouco, muito pouco ainda.

Sérgio Rego

 

1- https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,queremos-formar-bons-clinicos-mas-isso-nao-e-mais-suficiente,70002454760

 

One Reply to ““Dell Medical School !!!” – por Sérgio Rego”

  1. Claudia Travassos

    Tal como os pilotos atuais que exercem um trabalho de baixo nível decisório e com baixa exigência de conhecimento cientifico assim parece, tal como descrito por Sergio Rego neste artigo, serão os medicos do futuro.

    Responder

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