Após pouco mais de três décadas desde a minha graduação, justamente quando me preparava para dedicar-me às reflexões acadêmicas sobre os novos rumos da medicina no futuro digital, surge essa grande crise. E me vejo de volta no front nessa batalha que se aproxima. De volta ao fazer médico mais primal e inquestionável, que é a medicina de urgência. E desse chamado explícito para os médicos nessa crise não podemos recuar. Pois será uma crise que marcará nossa época, nossa geração e que abrirá possibilidades para qualquer futuro que se possa imaginar. Um momento no mundo, em que todos estão vivendo o mesmo momento.
Nas últimas semanas, milhares de médicos e pesquisadores em todo o mundo buscam parâmetros, indicadores, drogas, terapias ou modelos terapêuticos. Qual droga? Quando uma vacina? Quando colocar em prótese ventilatória? Quais os melhores parâmetros para isso ou aquilo? Quem proteger, qual grupo de risco? Como nos afastar? Já há milhares de opiniões de especialistas. Mas ainda à procura das melhores evidências, das recomendações correndo contra o tempo, no avanço veloz de uma pandemia de caráter errático, mutante e feroz.
Nessa procura, nessas perguntas, note-se que está o arcabouço ético que estruturou a prática médica ao longo de séculos, o equilíbrio entre a promessa milenar do ‘primum non nocere’ e o benefício do tratamento. Assim, o resgate dos princípios da beneficência e da não-maleficência está evidente no caráter que o pensamento científico tenta manter como balizadores para as melhores propostas terapêuticas.
No entanto, há ainda uma outra face que quase que impõe seu protagonismo ao caráter da pandemia: a questão social. Um imenso desafio a se enfrentar, com as deficiências da rede de assistência, com as desigualdades na estrutura hospitalar, com a carência de insumos, de respiradores, de materiais de proteção, de métodos diagnósticos. Somado às disputas políticas locais e da geopolítica mundial, inevitavelmente enfrentaremos situações de escassez de recursos, materiais e humanos, lidando com uma doença que ainda mal conhecemos. Situações de limite que requerem a reflexão mais contemporânea dos princípios bioéticos da equidade e da autonomia.
E, como se tudo o mais agora fosse secundário, o chamado da medicina recupera em toda a sua potencialidade a sua mais cara finalidade – salvar vidas e aliviar a dor. A medicina mais pura retorna e aparece no primeiro plano do palco dessa agonia mundial com sua missão frente ao sofrimento. Buscar a cura, ou ao menos cuidar de quem sofre.
Agora, nessa grande emergência mundial, não pensaremos na medicina estética, na medicina de consumo, na medicina de desejos. Na sua espetacularização. Na medicina talk-show. Não podemos deixar passar essa oportunidade de refletir sobre o que fazemos e o impacto que nossas práticas exercem sobre a saúde da sociedade.
Nesse momento, esse chamado vai nos trazer de volta ao que há de mais fundamental na medicina. Teremos que usar o que temos e que mais nos caracteriza como médicos, o nosso conhecimento e as nossas habilidades específicas, para tentar salvar vidas e aliviar o sofrimento dos que nos procuram e nos olhos de seus familiares.
Curiosamente, vindo justamente dos países onde mais avança a medicina digital e a promessa de atendimento por algoritmos, a pandemia chega precisando de médicos. A medicina nos chama nesse momento fundamental. Que seja um recomeço para pensarmos nos nossos mais importantes fundamentos, se desejamos permanecer fundamentais.
Luiz Vianna Sobrinho
Espetacular. Obrigada
Parabéns Luiz, pela excelente abordagem da problemática instalada pela pandemia. É uma honra ter sido seu “orientador”. Abraço enorme. F. Roland Schramm
Meu caro mestre. Tenha certeza que ainda faz parte da coleção de ‘bússolas’ da minha formação. No fundo, acho que somos a reunião do que pensamos em conjunto. Forte abraço.
Amigo Luiz Vianna, parabéns pelo texto. Meu sentimento é o mesmo. É a medicina pura. Acolher, medicar, aguardar, checar, não tirar o olho do paciente. Pois não há bula, não há algoritmo, não há fórmula. Muitas vitórias em meio às derrotas, mas o que marcam são essas últimas. Correria. Improvisação. Mas só um desejo: Salvar.
Tudo isso é lindo, mas sem equipamentos de proteção individual, os famosos EPIs, quero ver quem vai para o front se suicidar!
Alias era bom momento para as entidades que nos representam CFM, Cremerj, exigirem das milionarias operadoras de saúde e convenios proprios, que paguem pelos descartaveis de barreira nas contas hospitalares! Quem vive os bastidores da medicina moderna sabe bem como é!
Excelente texto Luiz. Se aplica também aos estudantes de medicina que estão se questionando sobre sua função na pandemia.
Linda reflexão! Parabéns Luiz, pelo seu trabalho, dedicação e empenho, muito anterior a essa triste pandemia… Tenho muito orgulho de poder conviver com esses “verdadeiros médicos”! Beijosss
Caro Luiz,
Parabéns pela reflexão!
Comparo o momento que vivemos com um voo que, repentinamente nos deparamos com uma forte turbulência e nós, pilotos e comandantes de nossas vidas, temos de tomar uma decisão, sob pena de sucumbirmos. A humanidade como um todo tem que rediscutir seus valores, pessoalmente temos que ser mais humildes e aceitar nossos limitações, temos de trocar o “ter“ pelo “ser”. A solidariedade, a compaixão e o altruísmo devem fazer parte de nosso cotidiano. Enfim, como bem ensinou Heráclito, tudo passa e tudo muda. A vida continuará e espero que o sofrimento deste momento não seja em vão!
De acordo, Prof.
sigamos na turbulência conduzindo nossa profissão com os fundamentos da solidariedade e compaixão também! Panta Rei.
Luiz, excelente e oportuna reflexão. Fiquei com saudades dos nossos papos. Que esta pandemia nos leve, a todos, a refletir com etica e justiça social sobre nossas práticas. Obrigada pelo trabalho no front e cuide-se!
Beijos,
Importante reflexão. Nada será como antes. Parabéns.