O que Astana pronuncia

O debate realizado na Conferencia Global de Atenção Primaria nos dias 25 e 26 de outubro em Astana, Cazaquistao, não honrou Alma Ata e seus 40 anos. A medicina na lógica da saúde como direito universal está definitivamente abalada.  Há 40 anos, em Alma Ata, propôs-se a Atenção Primária como primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, a partir de uma proposta de saúde integral e universal.   A Atenção Primária integral, nascida do direito universal à saúde foi experimentada no nosso país, com resultados positivos indiscutíveis, mas ainda com várias fragilidades de implantação. Se tomarmos o critério cobertura populacional por equipes de saúde da família, segundo o Ministério da Saúde, no Brasil ela é de 60% e no estado do Rio de Janeiro 52%. O município do Rio de Janeiro é um ótimo exemplo de Atenção Primária em um espaço urbano cheio de conflitos sociais e ambientais, atingindo no final de 2016 cobertura próxima a 70%. Se, inegavelmente, o país tem investido na Atenção Primária até os últimos anos, no momento vemos uma Política Nacional de Atenção Básica com diversos retrocessos, atualmente confirmada pela política do município de desinvestimento na saúde, com impactos substantivos para a Atenção Primária.  Vivemos numa ordem política e econômica mundial onde a solidariedade social foi substituída por uma perspectiva competitiva e individualista.

Assim Astana oferece um pacote de propostas onde as responsabilidades públicas são compartilhadas com o setor privado. Barreiras de acesso persistirão. A cobertura universal, com sua cesta básica de necessidades, prevalece como opção em oposição ao direito universal à saúde pública.

2 Replies to “O que Astana pronuncia”

  1. Luiz Vianna

    Exatamente, Gisele. Os resultados foram muito ruins. O posicionamento da política brasileira de fortalecimento da Atenção Primária e da saúde como direito estava patente na carta de intenções, enviada pela Fiocruz e pelo CNS, No entanto, a Conferência de Astana atropelou a de Alma-Ata. É um marco histórico-político de vitória imposta pela visão da OMS ancorada na ótica das propostas do Banco Mundial e de representantes da inciativa privada, como a Fundação Gates e George Soros. Nas palavras de Carina Vance, diretora do ISAGS, é como se “no fundo, a OMS estivesse dizendo: “Alma-Ata teve 40 anos de vida, agora vamos começar uma coisa nova”. ver http://outraspalavras.net/outrasaude/2018/11/01/declaracao-de-astana-nao-chega-nem-perto-de-alguns-conceitos-que-estao-em-alma-ata/

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  2. Stephan Sperling

    O dramático é reconhecer que Astana não só compromete a defesa do Direito Humano é Fundamental à Saúde Universal, como fortalece o assédio do Privado sobre os Sistemas Universais, algo já na ordem do dia para o país. As experiências em Cuidados Primários produzidas pelos Seguros de Saúde no Brasil indicam que a Saúde Suplementar investirá pesado não apenas na lógica da CUS, mas igualmente na lógica dos Sistemas como contratantes de serviços privados e autônomos de alta custo-efetividade, convertendo o SUS, no caso, de protagonista das políticas públicas e do cuidado, em apenas um manager de carteira de serviços e intervenções. É o requinte de crueldade da privatização e da segmentação do processo de cuidado.

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